Tuesday, February 20, 2024

Aquecimento global e descaso impulsionam dengue no Brasil


 

Gustavo Basso de São Paulo DW

Dados do governo indicam que país pode ter pior epidemia de dengue da sua história em 2024. Calor extremo e locais com acúmulo de lixo favorecem proliferação do mosquito transmissor da doença.




Resistindo às dores no quadril e coceira pelo corpo, o aposentado Aramis de Lima, de 62 anos, assiste com alívio a um batalhão de funcionários da limpeza pública retirarem cerca de duas toneladas de lixo e entulho do terreno vizinho a sua casa. Ele acredita que, se tivessem vindo duas semanas antes, já em meio à rápida expansão da dengue, teria escapado de sua primeira contaminação pela doença.

"Aqui na rua, 90% dos moradores pegou, certamente por causa desse lixo que estava acumulado", acredita. "Minhas netas tiveram sintomas que provavelmente foram de dengue, mas eu tenho histórico de amputação, dores em decorrência disso, aí juntou com a doença e resultou em dores muito fortes, espasmos musculares. Foi complicado", conta. Como sequela temporária, comum para a doença, ficaram as coceiras pelo corpo.

Pelas ruas da Vila Jaguara, na zona oeste de São Paulo, não faltam áreas e terrenos que sejam alvos da indignação de Lima e seus vizinhos. Numa área de pouco mais de dois quilômetros quadrados, equipes de saúde mapearam ao menos seis ferro-velhos e focos de acúmulo de lixo e entulho perfeitos para a procriação do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, do zika vírus e da chikungunya.

Paralelamente, 7.369 imóveis receberam intervenções com inseticida ou assistência social para evitar os focos do mosquito entre dezembro do ano passado e janeiro deste ano.

Os esforços, porém, não tiveram sucesso e não impediram a Vila Jaguara de deter o título de epicentro da dengue no município de São Paulo. Por lá, a taxa de contaminação é 28 vezes maior que a média paulistana. No Brasil, perde apenas para o Distrito Federal, onde cerca de 2,5% da população contraiu o vírus da dengue nos últimos meses.


Estufa de mosquito

Em condições normais de temperatura e chuva, o ciclo de vida do Aedes aegypti, da colocação dos ovos até a formação do mosquito, é de sete a dez dias, explica o coordenador de vigilância em saúde da capital paulista, Luiz Artur Caldeira.

"Se a condição for, por exemplo, de muito calor intenso, esse período pode baixar para até quatro dias, dobrando assim o número de mosquitos em relação ao ciclo normal", alerta. "Isso é algo que vem ocorrendo em boa parte do país desde pelo menos setembro do ano passado, muito por conta do El Niño", afirma, referindo-se ao fenômeno caracterizado pelo aquecimento anormal e persistente da superfície do Oceano Pacífico na região da Linha do Equador.

Especialistas vem alertando que os fenômenos climáticos extremos de 2023 são fruto direto do aquecimento global provocado pela ação humana. No entendimento do epidemiologista e professor da USP Paulo Lotufo, o que a atual epidemia de dengue ilustra é a extensão dos impactos que as mudanças climáticas gerarão sobre as populações humanas.

"Quanto maior for o aquecimento do planeta, mais o mosquito vai conseguir se reproduzir. Tanto é assim que ele já está chegando a lugares onde há muito tempo não estava, como Estados Unidos e Argentina. Até bem pouco tempo seria inimaginável fazer fumigação às margens do rio Sena, em Paris, para eliminação do Aedes", explica.

Com o calor dos últimos meses, os brasileiros vêm sentindo na própria saúde essa explosão da proliferação dos mosquitos. Em todo o país, o número de casos confirmados ou sob suspeita de dengue já passa de 653 mil — ou um infectado a cada 347 mil brasileiros. No mesmo período de 2023, o número de casos não chegava a 130 mil. Trata-se de um aumento de 294% de um ano para o outro, e que já provocou 113 mortes, enquanto 438 estão sendo investigadas.

Pelos dados do Ministério da Saúde, o avanço da dengue nunca foi tão rápido no Brasil, e o país pode chegar a 4,2 milhões de casos até o fim do ano.

"A taxa de letalidade da população como um todo varia de 3 a 7 por mil, ou seja, 0,3% a 0,7%. Quando eu falo que a taxa de letalidade da dengue é de cerca de 1%, o pessoal fala 'puxa, é pouco', mas não é! É o dobro do que é esperado sem a doença", ressalta Lotufo.



Imunização lenta

De todas as unidades da federação, o Distrito Federal apresenta o cenário mais complicado. Até 10 de fevereiro, data do último boletim epidemiológico, haviam sido registrados 23 óbitos pela doença em meio ao surto, que do ano passado para este explodiu em mais de 1.000%, atingindo quase todas as regiões com gravidade. Na capital do país, quase metade das mortes por dengue é de pessoas com mais de 60 anos.

Apesar da estimativa de que 70% da população da Vila Jaguara, em São Paulo, esteja nesse grupo, nenhuma morte foi registrada por dengue neste ano no bairro. O que não impede, entretanto, que moradores mais velhos temam a doença.

"Moro há 60 anos aqui e nunca vi nada parecido. Até mesmo minha filha e meus netos têm deixado de me visitar nas últimas semanas por medo desse surto provocado pelo lixo espalhado. Esperamos que agora melhore, mas o repelente está sempre na mão, não desgrudamos dele", conta a aposentada Nanci Albanez, que diz aguardar ansiosa pela vacina, que não tem prazo para chegar à maior cidade do país.

Por conta de limitações na produção da farmacêutica japonesa Takeda Pharma, o Ministério da Saúde adquiriu para este ano o suficiente para imunizar 2,5 milhões de pessoas com a vacina Qdenga. Por conta disso, apenas 10% de todos os municípios do país serão contemplados este ano, 11 deles em São Paulo, onde a vacinação começa nesta terça-feira (20/02), com crianças entre 10 e 11 anos na região do Alto Tietê.

A partir de 2025, entrará em campo ainda a vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan, que ao contrário da japonesa, exige aplicação única. O epidemiologista Paulo Lotufo, porém, enfatiza que a vacina é um auxiliar e que, agora e no futuro, o fundamental é reduzir o contato da população com o mosquito.



Monday, February 19, 2024

Martianization - O que são os 'incêndios zumbis' que ameaçam o Canadá no inverno

 

 
O fenômeno aumentou em um ritmo assustador em 2024
Nadine Yousif
Role, Da BBC News em Toronto
 

Mesmo no auge do inverno do Canadá, as brasas da temporada recorde de incêndios florestais do ano passado permanecem.

Os chamados "incêndios zumbis" estão queimando mesmo no inverno - são brasas que continuam vivam no solo sob espessas camadas de neve. E eles crescem a um ritmo sem precedentes, aumentando os temores sobre o que o verão que se aproxima pode trazer.

As pessoas que dirigem na rodovia que passa pela cidade de Fort Nelson, na Colúmbia Britânica, no inverno, podem facilmente ver – e sentir o cheiro – as nuvens de fumaça branca fluindo do solo ao seu redor.

Sonja Leverkus, bombeira e cientista que mora na pequena cidade do nordeste da província, lembra-se de ter dirigido durante uma tempestade de neve em novembro, mas a neve não parecia branca.

 

“Eu nunca tinha visto uma tempestade de neve que cheirasse a fumaça”, disse Leverkus, que mora na região há mais de 15 anos.

As nuvens de fumaça ainda eram visíveis em fevereiro, acrescentou ela, mesmo em dias extremamente frios, quando as temperaturas caíram para -40°C.

 

População de Fort Nelson, como Trevor Scott (foto), notou o aumento das fumaças

 

Incêndios zumbis

A fumaça de Fort Nelson é o resultado de 'incêndios zumbis' - também chamados de 'incêndios de inverno'.

Eles são brasas sem chama que queimam lentamente abaixo da superfície e são mantidos vivos graças a um solo orgânico chamado turfa, comum nas florestas boreais da América do Norte, e a espessas camadas de neve que os isolam do frio.

Esses incêndios não são incomuns. Nos últimos 10 anos, a Colúmbia Britânica viu, em média, cinco ou seis que continuaram a arder durante os meses frios, dizem os especialistas.

Mas em Janeiro deste ano, a província registou um pico sem precedentes de 106 "incêndios zombies ativos", aumentando a preocupação entre os cientistas sobre o que estes incêndios poderão significar para a próxima época de incêndios florestais.

 

A maioria normalmente se apaga por conta própria antes da primavera, mas 91 ainda estão queimando na província, de acordo com dados da administração local.

Aqueles que não forem extintos até março vão gerar um grande risco quando a neve derreter e eles ficarem expostos ao ar. Os cientistas os associaram ao início precoce das temporadas de incêndios florestais.

A província vizinha de Alberta também registros um aumento nestes incêndios de inverno, com 57 focos no início de fevereiro – quase 10 vezes mais do que a média de cinco anos.

“É muito alarmante ver esta combustão contínua durante o inverno, especialmente depois da temporada recorde de incêndios florestais no Canadá no ano passado" ,diz Jennifer Baltzer, professora de biologia na Universidade Wilfrid Laurier.

Mais de 18 milhões de hectares (44 milhões de acres) de terra foram queimados por incêndios florestais no Canadá em 2023 – uma área aproximadamente do tamanho do Camboja – superando em muito a média de 10 anos do país.

A temporada foi uma das mais fatais da história recente, com vários bombeiros morrendo no cumprimento do dever.

Milhares de pessoas foram forçadas a abandonar as suas casas e o efeito foi sentido muito para além das fronteiras do Canadá, quando a fumaça cobriu uma grande parte dos EUA em Junho.

Essa temporada calamitosa de incêndios florestais é uma das razões pelas quais a Columbia Britânica está vendo agora um número tão alto de incêndios zumbis, diz Mike Flannigan, professor e especialista em gerenciamento de incêndios na Universidade Thompson Rivers, no Canadá.

A maioria deles são incêndios que não puderam ser totalmente apagados até o outono passado simplesmente devido à falta de recursos, disse ele.

Até o final do ano, as autoridades registraram um total de mais de 2.200 incêndios florestais na província.

Outra razão, disse o professor Flannigan, é a seca extrema que a província tem enfrentado nos últimos dois anos.

Em fevereiro, a maior parte da regiãoo estava sob níveis de seca médios a extremos, de acordo com o mapa de secas.

Assim como os "incêndios zumbis", a seca também tem sido perceptível, diz Leverkus.

Quando estava na floresta no verão passado, ela disse ter notado que um riacho que costumava fluir livremente agora é “apenas poças”.

Estas condições de seca persistiram durante o inverno. A província viu tão pouca neve que uma estação de esqui na região de South Cariboo foi forçada a fechar suas portas no início de janeiro para o resto da temporada.

 

Consequências das mudanças climáticas

Os "incêndios zumbis" já foram raros, mas os cientistas dizem que se tornaram mais comuns nos últimos anos devido ao aquecimento global.

Por enquanto, os "incêndios zumbis" estão sendo apenas monitorados por autoridades, diz Forrest Tower, porta-voz sobre o assunto das autoridades da província.

Ele disse que muitos deles não podem ser apagados manualmente porque a maior parte da força de combate a incêndios da província está de folga durante o período de entressafra. Eles ainda não representam um risco, disse ele.

Mas a principal preocupação é que os incêndios possam reacender se a região continuar a ter muito pouca neve ou chuva na primavera.

Se isso acontecer, ele disse que a equipe sazonal de incêndios florestais da província poderá entrar imediatamente em ação em março ou abril.

Flannigan diz que é muito cedo para prever exatamente como será a próxima temporada de incêndios, mas o que a província viu até agora “é bastante incomum”.

E sendo um ano de El Niño, que indica condições quentes e secas para o oeste do Canadá, Flannigan diz que tudo aponta para "uma primavera muito ativa”.

Tuesday, February 13, 2024

Do Branco ao Verde: a vegetação da Antártica está aumentando

 



Um estudo revela que a vegetação na Antártida está aumentando e é uma consequência do aquecimento global. Os cientistas falam de um "ponto de viragem" nos ecossistemas e apelam a uma ação climática urgente.

Novas investigações acrescentam provas a um cenário já de si assustador: as alterações climáticas antropogénicas são responsáveis pelos inúmeros impactos, acontecimentos extremos e transformações aceleradas que estão ocorrendo na Terra.

Um estudo da Universidade de Insubria, em Itália, traz novas revelações. Desta vez, sobre o Continente Branco. Segundo a pesquisa, a Antártida tem cada vez mais vegetação, e a causa é, claro, o aumento global das temperaturas.

O estudo examinou a área coberta pelas duas únicas plantas nativas da região - a erva-pilosa-antártica (deschampsia antarctica) e a pêra-da-antártica (colobanthus quitensis) - entre 2009 e 2019, comparando-a com os registos desta vegetação efetuados nos 50 anos anteriores. Além disso, analisaram a evolução das temperaturas e de outros fatores do ecossistema.

A análise revelou que as populações de ambas as plantas dispararam nos últimos 10 anos, e que o aumento registado neste período foi equivalente ao dos 50 anos anteriores.


Os animais pisam a vegetação e inibem a sua proliferação.

Ambas as espécies registam um aumento significativo da densidade, em especial na ilha de Signy, uma pequena ilha ao largo das Órcadas do Sul, que é, também um importante local de nidificação para várias espécies de aves marinhas.

A taxa de crescimento das plantas, dizem eles, está correlacionada com o aumento constante das temperaturas que têm sido registadas na Antártida desde 2012. Mas outro fator ligado ao impacto no ecossistema também desempenha um papel importante no avanço do verde.

Menos animais, mais verde

De acordo com a análise, um fator que favorece a proliferação do verde é a diminuição do número de focas e leões-marinhos que nidificam na ilha e que, historicamente, limitavam o crescimento das plantas, pisando-as.

Presumimos que a surpreendente expansão das plantas se deve principalmente ao aquecimento do ar no verão e à libertação da limitação da perturbação pelos leões-marinhos, diz o estudo.

O aumento da vida vegetal na ilha Signy pode ser um precursor de transformações mais amplas na Antártica. Os autores do estudo alertam para o facto de podermos estar perante um "ponto de viragem", uma mudança radical no ecossistema antártico.


A erva-pilosa-antártica e a pêra-da-antártica são duas espécies nativas da região.

Os peritos afirmam que esta tendência irá intensificar-se. De acordo com alguns cenários, as temperaturas poderão aumentar entre 5°C e 6°C até ao final deste século, provocando mudanças devastadoras no continente.

"O que foi observado naquela ilha antártica pode ser um prelúdio do que acabará por acontecer em grande parte deste continente nos próximos anos, devido ao aquecimento global", afirmou Peter Convey, autor do estudo.

"Prevê-se que a forte tendência de aquecimento seja retomada com a expansão das zonas sem gelo e com a continuação dos impactos nas componentes abióticas e bióticas dos ecossistemas terrestres, incluindo o afluxo de espécies não nativas", afirma o documento.

Esta rápida mudança na vegetação antártica recorda-nos a urgência de enfrentar a crise climática e destaca a vulnerabilidade de um dos ecossistemas mais remotos da Terra face às ações humanas.

"Esta é a primeira evidência na Antártica de respostas aceleradas dos ecossistemas ao aquecimento climático, confirmando observações semelhantes no Hemisfério Norte. As nossas descobertas apoiam a hipótese de que o aquecimento futuro irá desencadear mudanças significativas nestes frágeis ecossistemas antárticos", diz o estudo.

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