Muitas doenças tropicais, como a malária, são transmitidas por insetos
Doenças tropicais negligenciadas, um problema global
As doenças tropicais negligenciadas (DTN) afetam cerca de 1,7 bilhão de habitantes de 149 países. "Essas doenças são 'negligenciadas' porque estão quase totalmente ausentes dos planos globais de saúde", lembrou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, neste 30 de janeiro, Dia Mundial das DTN.
1. O que são Doenças Tropicais Negligenciadas?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) contabiliza atualmente 20 enfermidades como Doenças Tropicais Negligenciadas (DTN). A transmissão se dá de forma muito simples, seja uma picada de inseto, sejam pequenos parasitas que penetram na pele durante o banho num lago. Sem tratamento, suas consequências podem restringir a vida de forma permanente, e levar à incapacidade física e até a morte.
No caso da infecção por tracoma, que ocorre em muitas regiões do mundo, há risco de cegueira; a filariose linfática (elefantíase) causa inchaço permanente dos membros. Outros patógenos atacam órgãos internos como rins ou fígado, ou destroem células nervosas e causam grandes danos ao coração, como no caso da doença de Chagas, muito comum na América do Sul. Milhões de seres humanos, principalmente em países tropicais, se infectam com DTNs a cada ano.
Cinco patógenos (denominados "the big five") desencadeiam cerca de 90% de todas as DTN: filariose linfática (elefantíase), cegueira dos rios (oncocercose), tracoma, bilharziose (esquistossomose) e infestação por geo-helmintos.
As camadas mais pobres da população na África, Ásia e América Latina são particularmente atingidas. Apesar de ser amplamente difundido, o atendimento médico para DTNs ainda é frequentemente negligenciado. Isso traz não só séria redução da qualidade de vida do paciente, como também consequências econômicas.
2. Quem é afetado pelas DTNs no mundo?
As DTNs afetam 1,7 bilhão de habitantes de 149 países; outros 2 bilhões estão ameaçados por elas, de acordo com a Rede Alemã contra as Doenças Tropicais Negligenciadas. Estima-se que as vítimas diretas ou indiretas das DTNs a cada ano cheguem a 500 mil.
As DTNs são encontrados em todas as regiões tropicais do planeta, do Sudeste Asiático ao Oriente Médio, África e América do Sul. "Os países africanos são os mais atingidos", explicou Jürgen May à DW. Ele dirige o Instituto Bernhard Nocht de Medicina Tropical, em Hamburgo, onde são pesquisadas infecções globais.
Indivíduos de baixa renda correm risco especialmente alto, sobretudo em áreas rurais ou de difícil acesso a atendimento médico, onde muitas vezes também há dificuldade de obter água potável e alimentos.
"Em muitos países há um círculo vicioso de doenças e pobreza. As próprias doenças levam a mais pobreza. E os problemas de higiene que andam de mãos dadas com a pobreza, também", diz May.
Quem está permanentemente doente muitas vezes não consegue mais trabalhar e cuidar de sua famílias. E as deficiências causadas pelas DTNs podem levar a ainda mais estigma e exclusão.
As doenças costumam ser piores para as mulheres e crianças. Muitas crianças ficam incapacitadas para frequentar a escola ou têm deficiências de desenvolvimento, e atualmente não há medicamentos infantis apropriados para muitas DTNs.
3. Por que elas são "negligenciadas"?
Embora bilhões em todo o mundo estejam ameaçados pelas DTNs, a luta contra elas ainda é subfinanciada e não está suficientemente no foco dos sistemas de saúde, alertam organizações de ajuda como a ONG CBM, quese empenha em todo o mundo pelos portadores de deficiências.
O termo "doenças negligenciadas" também mostra "como é difícil chamar a atenção para as DTNs, bem como para os grupos populacionais negligenciados que mais sofrem com elas", explica o infectologista May. Moradores tanto de zonas rurais quanto de favelas urbanas não costumam ser priorizados pelos tomadores de decisão política, e "muitos não estão cientes de que essas doenças são graves e crônicas".
A pandemia de covid-19 provocou grandes retrocessos na luta contra as doenças tropicais negligenciadas em diversos países africanos, pois milhões de doses de remédios não puderam mais ser distribuídas aos pacientes.
"Nos últimos dois ou três anos, ficamos atrasados 15 anos", calcula May. Em muitos países tropicais, as consequências das infecções por covid-19 não foram tão graves quanto as das DTNs.
4. Qual é o papel das mudanças climáticas no alastramento das doenças tropicais?
As DTNs são mais comuns em regiões tropicais, mas, devido às mudanças climáticas e às viagens globais, os casos também estão aumentando na Europa e na América do Norte.
A dengue, transmitida por mosquitos, não ocorre apenas na África, no Sudeste Asiático e na América do Sul, mas também já atingiu a região do Mediterrâneo e o sul da Europa, lembra May.
Também nos países africanos, onde a doença costumava atingir principalmente a população rural, outras áreas estão agora em risco. O aumento das temperaturas também afeta os insetos que transmitem patógenos.
"Os mosquitos agora são encontrados em regiões cada vez mais altas, a até 1.500 ou 1.800 metros, e também em grandes cidades africanas onde não eram viviam antes, como Nairóbi, Adis Abeba ou Antananarivo, em Madagascar."
Parasitas da leishmaniose infectam humanos, mas também animais como os cães, e podem ser fatais
Os casos de doenças tropicais também estão aumentando na América do Norte e na Europa Central. O vírus do Nilo Ocidental – o qual, estritamente falando, não é uma DTN, mas transmitido de forma semelhante à chikungunya ou a dengue – também é encontrado regularmente na Alemanha desde 2018, explica May. E a partir de "um único mosquito que foi trazido para Nova York em 1999, o vírus do Nilo Ocidental agora se espalhou por todos os Estados Unidos".
O flebotomíneo, que transmite a leishmaniose, vive há muito tempo em regiões turísticas e ilhas de férias no Mediterrâneo. O que inicialmente parece uma erupção cutânea, mas pode ser fatal, é difícil de ser identificado pelos clínicos gerais europeus.
De acordo com May, as DTNs não recebem qualquer atenção na formação médica. Porém cada vez mais institutos de medicina tropical, como o Bernhard Nocht, de Hamburgo, oferecem cursos de treinamento avançado para médicos.
5. Qual é o próximo passo na luta contra as DTNs?
Até 2030, a Organização Mundial da Saúde deseja conter em grande escala as doenças tropicais negligenciadas, em todo o mundo, por meio da cooperação internacional entre organizações de ajuda, médicos, governos e a indústria farmacêutica.
May considera a meta "ambiciosa", certamente possível para algumas doenças, mas extremamente difícil para outras. Em vista das muitas crises simultâneas atuais, especialistas temem que o combate às DTNs possa perder a importância.
Mas as conquistas até agora também alimentam esperança, diz May. Décadas de esforço resultaram na derrota de pelo menos uma DTN em 43 países e mais de 600 milhões de indivíduos não necessitam mais medicamentos. Doenças como oncocercose e cegueira devido a infecções por tracoma tornaram-se muito mais raras, graças à melhoria da educação em saúde e ao fornecimento direcionado de medicamentos.
E a mortífera doença do sono, que costumava ser generalizada, foi quase inteiramente derrotada. "Por muitos anos, só podíamos tratar a doença do sono por via intravenosa, com muitos efeitos colaterais graves. Um medicamento oral está disponível há alguns anos e foi um ponto de virada. Em 2020, tínhamos apenas 650 pacientes."
No entanto, para desenvolver bons diagnósticos, medicamentos e, em alguns casos, vacinas, são necessários mais recursos e ainda mais comprometimento dos governos de todo o mundo. Organizações de ajuda e especialistas em saúde estão agora exigindo consequências financeiras e mais dinheiro para programas de DTNs.
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