No
ano passado, por exemplo, alguns trechos do Oceano Atlântico no entorno
do Reino Unido e da Irlanda foram impactados por uma onda de calor
marinha, classificada como extrema e, em alguns lugares, “além do
extremo”, com a temperatura do mar cerca de 5ºC acima da média, como
destacou o mais recente relatório da Organização Meteorológica Mundial,
veiculado no início de 2024.
Até mesmo a família real tem buscado
se associar à agenda climática. O rei Charles e o príncipe William
participaram de eventos recentes sobre essa temática.
Ademais, a
própria página oficial da monarquia britânica tem ressaltado que Charles
tem alertado sobre os perigos da poluição por plásticos desde os anos
1970, quando tinha 21 anos. Diferentemente do ano passado, contudo, ele
não foi à COP de Baku.
Os
pavilhões do Brasil e do Reino Unido estavam lado a lado durante a
COP-29. Para além da vizinhança de espaços onde realizaram dezenas de
atividades, ambos tiveram reuniões bilaterais, ações conjuntas e
diversas aproximações antes e durante a conferência.
Lula com o premiê britânico durante cúpula do G-20 Foto: Ricardo Stuckert/Presidência do Brasil Ao Estadão, a representante especial de clima do Reino Unido na COP-29, Rachel Kyte,
confirmou a aproximação entre os dois países. “O Brasil é efetivamente
um líder. E estamos juntos na nossa ambição”, disse. “Nós vamos ajudar o
Brasil a fazer a COP que precisamos”, afirmou. A declaração ocorreu em
um contexto de dificuldades de avanço nas negociações da conferência
atual, realizada em Baku, no Azerbaijão.
Sede da COP-26, de Glasgow, o país se colocou à disposição para passar
experiência para o Brasil, que será o anfitrião do evento no ano que
vem, em Belém. A cúpula de 2025 tem grande expectativa entre lideranças e
ambientalistas, assim como pelo simbolismo de ser realizada em um
estado amazônico.
Para Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima,
a postura britânica ao estimular propostas mais ambiciosas de outros
países na preparação da COP-26 pode inspirar o Brasil. “Viajaram o mundo
inteiro fazendo ‘NDC diplomacy’ (meta de redução de emissões, cuja nova deverá ser entregue no ano que vem), instigando as partes a fazerem o seu melhor”, aponta.
Na
Cúpula do G-20, no Rio, o premiê britânico e o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva se encontraram pela segunda vez neste ano. O
desenvolvimento econômico sustentável e o combate às mudanças climáticas
estiveram entre os principais temas tratados em ambos os encontros.
Primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, durante discurso na COP-29 Foto: Rafiq Maqbool/AP
No encontro mais
recente, nesta semana, os dois países lançaram juntos a Aliança Global
de Energia Limpa. O grupo também é formado por França, Noruega, Chile,
Colômbia, Tanzânia, Emirados Árabes Unidos e Alemanha. O premiê
britânico ainda teve uma série de agendas no País.
Além
disso, o Brasil teve atividades variadas com representantes do Reino
Unido na COP-29. No penúltimo dia do evento, por exemplo, a ministra do
Meio Ambiente, Marina Silva,
teve reuniões bilaterais com apenas quatro representantes de governo.
Dentre eles, estava o secretário de Segurança Energética e Net Zero do
Reino Unido, Ed Miliband.
Já
um painel com representantes de ambos os países discutiu as NDCs
anunciadas por ambos nesta COP (apenas Emirados Árabes Unidos também
apresentou). Na ocasião, a secretária de Mudança do Clima do Brasil, Ana Toni, reafirmou a aproximação dos dois países. “O Brasil e, tenho certeza, o Reino Unido também, quer liderar pelo exemplo”, disse.
Pavilhão do Reino Unido e do Brasil foram vizinhos nesta COP Foto: Priscila Mengue/Estadão
Professor de finanças da Fecap e da Unifesp e pesquisador de relações internacionais, Ahmed Sameer El Khatib avalia que os dois países têm se aproximado nos últimos anos, especialmente após o Brexit e a eleição de Lula.
O
pesquisador avalia que a postura do Reino Unido nesta COP contrasta com
outras potências mundiais, como Alemanha e Estados Unidos, que não
foram representadas por chefes de estado. “Sugerindo uma oportunidade
para o Reino Unido reafirmar sua influência na agenda climática global”,
completa.
“Em
resumo, a relação entre Brasil e Reino Unido está em um momento de
renovação. A agenda ambiental britânica se alinha com as prioridades do
governo brasileiro, criando oportunidades para parcerias
significativas”, conclui.
O que dizem especialistas britânicos?
Consultora política sênior do Greenpeace Reino Unido, Rebecca Newsom
aponta que o partido do atual premiê teve a campanha marcada pela
defesa de um programa de transição climática, envolvendo principalmente
energia e possibilidade de cortes de gastos para a população. “Temos
alguns passos na direção correta a se tomar, mas realmente mudou a
direção”, diz.
Manifestação recente em Londres Foto: Benjamin Cremel/AFP
Nesse aspecto,
considera positiva a sinalização com a nova NDC e o discurso enfático na
COP-29. Para ela, contudo, diante da responsabilidade histórica
britânica como berço da Revolução Industrial, ainda mais poderia ser
feito.
Dentre
novas medidas que poderiam ser tomadas, a ambientalista menciona maior
investimento na proteção da biodiversidade e restrição da pesca
industrial, assim como significativo financiamento público para países
em desenvolvimento. “O Reino Unido tem uma forte responsabilidade
histórica, e isso significa que precisa avançar e abrir caminhos”,
defende.
Consultora de diplomacia climática, Alexandra Scott avalia
que, em períodos mais recentes, o Reino Unido tem um histórico
significativo de ações climáticas no âmbito nacional. Nesse caso,
menciona impostos de carbono e reduções de emissões. Há quatro anos, uma
decisão judicial no país também virou notícia mundial por reconhecer a poluição do ar como uma das causas da morte de uma criança londrina.
“É
o lugar de nascimento da Revolução Industrial, onde começou a disparada
das emissões de carbono, que estão causando a crise”, avalia. Para ela,
a aproximação de Brasil e Reino Unido na política climática pode ser
“game-changer”. “Há uma grande chance dos dois países realmente
liderarem essa ambição climática”, diz.
Já a diretora executiva do Climate Action Network Reino Unido (CAN-UK), Catherine Pettengell,
destaca que o atual governo está há poucos meses no poder, mas
reconhece que houve uma mudança significativa no discurso e uma clara
intenção de priorizar ações climáticas nacional e internacionalmente.
“Há
razões para ser otimista”, considera. Também menciona que o país
cumpriu o seu dever ao trazer as principais lideranças para a COP.
Ela
pondera, contudo, que há muito ainda a ser feito, inclusive em relação a
países em desenvolvimento, assim como na retomada de políticas de
financiamento climático enfraquecidas no governo anterior. “O Reino
Unido tem responsabilidade e capacidade para avançar mais e rapidamente e
prover mais recursos para o Sul Global agir contra as mudanças
climáticas”, completa.
Além
disso, há o entendimento de que o Reino Unido não cumpriu tudo o que
prometeu em metas recentes e que precisa fazer mais. Em julho, mês da
troca de premiê, o Climate Change Committee (que orienta decisões do
governo) apontou que foi cumprido apenas um terço das reduções de
emissões necessárias para que se atingisse a meta determinada até 2030.
Por outro lado, reconheceu que os índices estavam com um terço do que
era a média de 1990.
*A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade