Sunday, August 7, 2022

Martianization - Seca histórica atinge metade do México e leva a espiral de violência e desespero


 




Crise climática impacta chuvas, e dois terços do país enfrentam problemas no fornecimento de água

 

Maria Abi-HabibBryan Avelar

CIDADE DO MÉXICO | THE NEW YORK TIMES


​O México —ou grande parte do país— está ficando sem água. Uma seca extrema tem deixado as torneiras secas, e quase dois terços dos municípios enfrentam escassez que vem obrigando as pessoas a encarar horas em filas para entregas de água feitas pelo governo em alguns locais.

A falta d’água está tão grave que moradores já fizeram barreiras em rodovias e sequestraram funcionários para exigir mais carregamentos. Os números são mesmo assustadores: em julho, 8 dos 32 estados enfrentaram estiagem de extrema a moderada, levando 1.546 dos 2.463 municípios a enfrentar cortes no fornecimento, segundo a Comissão Nacional de Água.

Em meados de julho, a seca atingia 48% do território do México —no ano passado, a situação afetou 28% do país.

Vincular uma seca isolada à crise climática requer análise, mas cientistas não têm dúvida de que o aquecimento global pode alterar os padrões de chuva no mundo e está elevando a probabilidade de ocorrência de secas.

Do outro lado da fronteira norte, nos últimos anos a maior parte da metade ocidental dos EUA sofre com estiagem de moderada a severa. São as duas décadas mais secas na região em 1.200 anos.

A crise está especialmente aguda em Monterrey, um dos centros econômicos mais importantes do México, com uma região metropolitana de 5 milhões de habitantes. Alguns bairros estão sem água há 75 dias, levando escolas a fechar as portas antes das férias de verão. Um jornalista percorreu várias lojas à procura de água potável, incluindo um supermercado Walmart, em vão.

Baldes estão em falta no comércio ou são vendidos a preços astronômicos, enquanto os habitantes juntam recipientes para coletar a água distribuída por caminhões enviados aos bairros mais afetados. Alguns usam latas de lixo limpas, e crianças lutam para ajudar a carregar a água.

A crise afeta inclusive as regiões de alta renda. "Aqui a gente tem que sair à caça de água", diz Claudia Muñiz, 38, cuja família frequentemente tem passado uma semana sem água corrente. "Num momento de desespero, as pessoas explodem."

Monterrey fica no norte do México e viu sua população crescer nos últimos anos, acompanhando o boom econômico. O clima tipicamente árido da região não ajuda a suprir as necessidades da população, e a crise climática reduz as chuvas já escassas.

Hoje os moradores podem caminhar sobre o leito da represa da barragem de Cerro Prieto, que no passado era uma das maiores fontes de água da cidade e uma importante atração turística, com animados restaurantes à beira da água, pesca, passeios de barco e esqui aquático.

A chuva que caiu em julho em partes do estado de Nuevo León, que faz divisa com o Texas e cuja capital é Monterrey, representou apenas 10% da média mensal registrada desde 1960, segundo Juan Ignacio Barragán Villareal, diretor-geral da agência local de recursos hídricos. "Nem uma gota caiu no estado inteiro em março", diz. Foi o primeiro março sem chuvas desde que se começou a registrar esses dados, em 1960.

Hoje o governo distribui 9 milhões de litros de água por dia para 400 bairros. O motorista de caminhão-pipa Alejandro Casas conta que, quando começou na função há cinco anos, ajudava os bombeiros e era chamado uma ou duas vezes por mês para levar água a um local incendiado. Ele passava muitos dias de trabalho apenas olhando para o telefone.

Mas desde janeiro ele trabalha sem parar, fazendo até dez viagens por dia, para suprir cerca de 200 famílias a cada vez. Quando ele chega a um local, uma longa fila já serpenteia pelas ruas. Pessoas levam recipientes que comportam até 200 litros e passam a tarde sob o sol para receber água só à meia-noite —e ela pode ser a única entregue por até uma semana.

Ninguém policia as filas, por isso é comum ocorrerem brigas, com moradores de outras comunidades tentando se infiltrar. Em maio o caminhão de Casas foi assaltado por jovens que subiram no assento do passageiro e o ameaçaram, exigindo que ele levasse o veículo ao bairro deles. "Se a gente não fosse para onde eles queriam, iam nos sequestrar."

Casas seguiu a ordem, encheu os baldes dos moradores e foi libertado.

Maria de los Angeles, 45, nasceu e cresceu em Ciénega de Flores, cidade próxima a Monterrey. Ela diz que a crise está afetando sua família e seu negócio. "Nunca antes vi isso. Só temos água nas torneiras a cada quatro ou cinco dias", diz.

O viveiro de plantas de jardim é a única fonte de renda de sua família e requer mais água do que a que chega apenas ocasionalmente às torneiras. "Toda semana sou obrigada a comprar um tanque que me custa 1.200 pesos [R$ 300] de um fornecedor particular", diz. É metade de sua receita semanal. "Não aguento mais."

Pequenos e microempresários como ela estão frustrados por serem abandonados à própria sorte, enquanto as grandes indústrias podem operar quase normalmente: as fábricas conseguem receber 50 milhões de metros cúbicos de água por ano, devido a concessões federais que lhes garantem acesso especial aos aquíferos da cidade.

governo está tendo dificuldade em responder à crise. Para tentar mitigar estiagens futuras, o estado está investindo US$ 97 milhões na construção de uma estação de tratamento de águas servidas e pretende comprar água de uma estação de dessalinização em construção num estado vizinho. Também gastou US$ 82 milhões para alugar mais caminhões, pagar motoristas adicionais e cavar mais poços.

O governador de Nuevo León, Samuel García, recentemente exortou o mundo a agir em conjunto para combater a crise climática. "Ela nos alcançou", escreveu no Twitter. "Hoje precisamos cuidar do ambiente, é uma questão de vida ou morte."

Tradução de Clara Allain


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