Trabalhadores expostos a altas temperaturas podem sofrer desidratação e perdem rendimento; Organização Internacional do Trabalho calcula que o equivalente a 849,9 mil postos serão perdidos no Brasil em 2030 por causa da queda de produtividade.
Produtora rural em Sinimbu (RS), Claudia Hirsch Wegner, de 42 anos, começou a trabalhar na lavoura aos oito. Nos 30 anos seguintes, não mudou muito sua rotina. Na época de colheita de tabaco, entre novembro e fevereiro, 7h30 já estava no campo.
Há cinco anos, porém, esse horário foi alterado. Agora, começa a colher às 5h, para conseguir voltar para casa até as 10h e evitar o momento mais quente do dia, quando ficar sob o Sol se torna inviável.
“Eu passava mal trabalhando (antes de mudar o horário em que faz a colheita)”, diz Wegner. “Quando era criança, não era tão quente. Agora, a cada ano, parece que o Sol chega mais perto da nossa pele.”
Há cerca de dez anos, Wegner também passou a usar uma espécie de roupa plástica para trabalhar, que protege de intoxicações. Apesar de garantir maior segurança, a vestimenta aumenta a sensação de calor.
Ela conta que todos os seus colegas produtores da região alteraram o horário de trabalho. Para fugir do calor, teve também quem tentasse fazer uma safra de inverno. “Mas aí a qualidade do fumo caiu.”
Wegner faz parte de um universo de 15,1 milhões de trabalhadores brasileiros (ou 14,5% da população ocupada) expostos ao calor excessivo, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Expostos a altas temperaturas, trabalhadores podem sofrer desidratação e terem problemas de vasodilatação, de acordo com a médica Simone Assalie, diretora da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt). Aumentam, assim, os riscos de infarto, AVC e insuficiência renal. “Essa questão, em um país tropical, como o Brasil, tem de ser tratada como prioridade, sobretudo em empresas em que as pessoas trabalham na rua, perto de caldeiras ou atividades que têm sobrecarga física.”
Diretor do escritório da OIT no Brasil, Vinícius Pinheiro acrescenta que há casos de cânceres de pele, de doenças transmitidas por vetores (como dengue) e de problemas de saúde mental relacionados ao aquecimento global. “O debate é urgente. Estamos falando de uma mudança que já aconteceu. Os recordes de temperatura têm implicações imediatas nas condições de trabalho.”
Dados do Ministério da Previdência Social, por exemplo, indicam que, em 2024 — o ano mais quente da história —, 2.265 pessoas tiveram de se afastar do trabalho e receberam benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) por contraírem dengue. No ano anterior, haviam sido 450 pessoas. De acordo com pesquisa da Fiocruz publicada no ano passado, as constantes ondas de calor causadas pelas mudanças climáticas estão entre os fatores que têm elevado os casos de dengue no País.
Pinheiro afirma também que desastres climáticos — como a enchente do Rio Grande do Sul no ano passado — e até temporadas excessivamente secas podem aparecer entre os fatores que propiciam doenças mentais, como depressão. No caso de secas, por exemplo, produtores rurais podem ficar mais suscetíveis a quadros de ansiedade.
“Há inúmeros problemas relacionados ao calor excessivo. Ele causa distúrbios de sono, queda na concentração e na produtividade. Essa questão é algo real que já afeta o trabalho, e a tendência é piorar”, diz Pinheiro. “Ela também faz com que a sociedade perca horas que poderiam ser de trabalho.”
Um estudo da OIT aponta que trabalhadores perdem 50% de sua capacidade de trabalho quando submetidos a temperaturas superiores a 33°C. Diante do aumento da temperatura média global, em 2030, 2,2% do total de horas trabalhadas no mundo serão perdidas, numa projeção considerada conservadora. O número equivale a 80 milhões de postos de trabalho em período integral.
No Brasil, esse impacto deve ser mais modesto, ainda segundo a OIT: 0,84% do total de horas trabalhadas será perdido. Ainda assim, é o equivalente a 849,9 mil postos de trabalho. Agricultura, construção e indústria serão os setores mais afetados, com perdas de, respectivamente, 2,74%, 2,74% e 1,09%. Os serviços amenizarão o prejuízo, com perda de 0,13%.
A OIT projeta ainda que as perdas econômicas relacionadas ao estresse térmico no trabalho chegarão a US$ 2,4 bilhões em 2030. No Brasil, os custos de lesões e mortes pelo calor excessivo no ambiente de trabalho já foi de R$ 175,5 bilhões (1,5% do PIB) no ano passado, de acordo com a organização.
Além do calor excessivo, desastres climáticos decorrentes do aquecimento global também têm gerado perdas para o trabalho e para a economia global. As enchentes do ano passado no Rio Grande do Sul, por exemplo, atingiram 9,5% dos estabelecimentos privados dos municípios afetados pelas chuvas e 13,7% dos postos de trabalho, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Na cidade de Claudia Wegner — Sinimbu —, 70,4% dos estabelecimentos e 84,1% dos postos de trabalho foram atingidos. Wegner tinha uma pequena pousada de turismo rural com capacidade para 12 pessoas. A construção foi destruída pela enchente e, até hoje, a atividade não pode ser retomada, o que fez com que a família perdesse uma de suas fontes de renda.
Atualmente, além do fumo, a família só conta com uma horta — cuja produção também foi perdida nas chuvas de 2024. “O tabaco é o carro chefe. Se não fosse ele, a gente não sobreviveria. A horta paga só a internet, a luz e as compras do mês”, diz Wegner, que pede para ser acrescentado no texto que o fumo é o “sustento de milhares de famílias na região não por escolha, mas pela falta de algo que dê a mesma renda”.
Durante a enchente, Pasetto foi uma das procuradoras que atuou em conversas com os municípios atingidos para que fossem emitidos atestados para pessoas afetadas justificarem sua ausência no trabalho. “A CLT não diz se alguém pode faltar ao trabalho em um caso como esse. As pessoas estavam com medo de ser demitidas.”
O Brasil já tem normas regulamentadoras (NRs) para garantir a segurança e a saúde no trabalho que servem, em muitos casos, para problemas climáticos. A NR-15 é uma delas. Alterada em 2019 (após nove anos de discussões), ela estabeleceu que pausas precisam ser adotadas de acordo com uma avaliação que considera tipo de atividade realizada, temperatura, umidade e velocidade do ar. É possível realizar o cálculo no aplicativo Monitor IBUTG, do Ministério do Trabalho, para verificar se os trabalhadores estão sob condições que demandam esses intervalos.
Para Pinheiro, da OIT, porém, quando se trata de trabalho e aquecimento global, o País tem atuado de forma a responder problemas específicos, sem ter políticas estruturadas. “Teve o desastre no Rio Grande do Sul, desenharam políticas de recuperação. Teve o problema da dengue, trabalharam as vacinas. Mas há algo silencioso acontecendo também, que são os aumentos de doenças renais, cardiovasculares e pulmonares. É preciso cobrir todas essas questões.”
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