- Multinacionais diminuem compensação por desmatamento evitado, modelo alvo de denúncias nos últimos anos
- Restauração exige investimentos maiores e tem atraído big techs
Algumas big techs, como Apple, Microsoft e Google, mudaram suas estratégias de compensação de carbono e agora privilegiam a compra de créditos de restauração de áreas desmatadas em detrimento de conservação de florestas.
Como essas empresas são algumas das maiores compradoras de crédito de carbono do mundo, o mercado de projetos florestais precisou se adaptar e o interesse por projetos de conservação diminuiu –inclusive no Brasil, onde há índices altos de desmatamento.
Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de carbono que foi absorvida da atmosfera. E uma das formas de gerar esses créditos é plantar vegetação nativa em áreas desmatadas, já que árvores são capazes de absorver gás carbônico, responsável pelo aquecimento global.
Outra forma de gerar esses créditos é por meio de projetos que evitam o desmatamento em áreas ameaçadas por grileiros, madeireiros, produtores rurais e criadores de gado. Nesse caso, organizações calculam quanto sua presença na região conseguiu evitar de destruição da floresta.
Esse último modelo, conhecido pela sigla Redd+, foi por alguns anos o principal fornecedor de créditos de carbono florestais. Mas denúncias de cálculos supervalorizados e abusos sobre comunidades locais fizeram com que empresas compradoras de créditos diminuíssem seu apetite em compensar emissões com esses ativos. Investigações recentes envolveram, inclusive, gigantes de tecnologia, gestoras de ativos e petroleiras.
"Todo esse pessoal está sendo acusado de ter comprado crédito podre, então, se você é um comprador institucional de um banco ou de um fundo de pensão, vai pensar três vezes antes de entrar num negócio desse. O risco reputacional é muito grande", afirma Shigueo Watanabe Jr, pesquisador no Instituto ClimaInfo.
A busca por projetos de restauro, conhecidos pela sigla ARR, passa justamente por isso. Nos últimos meses, gigantes da tecnologia, como a Google, anunciaram investimentos bilionários em iniciativas na área.
"Antes as empresas faziam seu inventário e depois pensavam em como compensar, elas não se preocupavam muito sobre de onde vinha o crédito. Mas hoje há uma série de direcionamentos internacionais sobre como a empresa deve fazer seu inventário e quais os tipos de projetos são os mais íntegros para a compensação", afirma Ana Moeri, presidente do Ekos Brasil, instituto que conecta projetos a empresas.
Agora, está cada vez mais difícil encontrar novos projetos de Redd+ no mundo. A Verra, maior certificadora de créditos de carbono, tinha 27 projetos de ARR e 22 de Redd+ em desenvolvimento ou validação em 2022. Em 2023, foram 28 e 7; em 2024, 22 e 2 e, até abril de 2025, 7 e 2. Os dados foram coletados pela pesquisadora Fernanda Valente, da FGV (Fundação Getulio Vargas).
E o Brasil segue esse movimento. Em julho, o Governo do Pará assinou a primeira concessão de restauração florestal para a iniciativa privada, criando uma demanda pública no mercado. O projeto, inicialmente, seria financiado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), mas três meses depois ainda nenhum empréstimo saiu do papel.
O banco também anunciou uma parceria com a Petrobras para restaurar 50 mil hectares de áreas degradadas na amazônia e outra com a empresa Re.green para restaurar 15 mil hectares de florestas na amazônia e na mata atlântica.
O BNDES ainda organiza uma série de editais para restauração florestal em áreas públicas em parceria com o governo federal, o que vai movimentar bilhões de reais nos próximos anos —desde 2023, foram destinados R$ 900 milhões em recursos não reembolsáveis para projetos do tipo.
Além disso, uma startup formada por cinco multinacionais (entre elas, Suzano, Itaú e Vale) anunciou, em abril, investimentos de R$ 55 milhões para restaurar uma área no sul da Bahia.
Essa mudança de mercado tem obrigado algumas empresas a recalibrarem seus focos, ainda que ainda vejam importância nos projetos de conservação.
A Carbonext, por exemplo, uma das maiores desenvolvedoras do Brasil, tem nove projetos de Redd+ em seu portfólio, mas estuda inaugurar projetos de restauro. "A Carbonext não trata o ARR como um concorrente do Redd+ e, como tem financiamento no mercado, a gente também quer entrar nessa agenda", diz Jeronimo Roveda, diretor de relações institucionais da Carbonext.
Ele, porém, pontua que o Brasil desmatou 1,4 milhão de hectares em 2024 e, se seguir esse número, não conseguirá restaurar 12 milhões de hectares até 2030, como almejado pelo governo Lula.
"O ARR está sendo extremamente valorizado e trazendo para o mercado um grande ganho para o cenário ambiental, mas a gente precisa trazer de volta a discussão sobre conservação. Não adianta a gente querer plantar e continuar desmatando", diz Roveda .
Outra companhia que segue esse raciocínio é a Systemica, ligada ao BTG Pactual. A empresa é uma das principais desenvolvedoras de projetos Redd+ do país, mas começou no ano passado a procurar projetos de restauro na amazônia –ela, aliás, venceu a licitação do Pará organizada em março.
"Hoje há um grande interesse por projetos de restauração, mas eu acho que vai haver uma retomada de projetos de Redd+. E isso vai acontecer simplesmente por uma racionalidade econômica, já que é a solução de compensação mais barata", diz Munir Soares, CEO da Systemica.
A diferença de investimentos entre os dois modelos é enorme. Hoje, segundo quem acompanha o mercado, um projeto de conservação exige investimentos entre US$ 2 e US$ 10 por hectare, enquanto os de restauro variam entre US$ 7.000 e US$ 10 mil por hectare.
A diferença nos preços dos créditos, por outro lado, não seguem a mesma proporção: os ativos de conservação tendem a valer no máximo US$ 12, enquanto um de restauro varia entre US$ 30 e US$ 70, a depender do volume negociado.
"Os projetos de ARR têm mais semelhança com projetos de infraestrutura, porque não necessariamente nessas terras há comunidades morando, o que gera um capex [investimentos em obras] intensivo. Já os projetos de conservação mais valorizados estão ligados a comunidades tradicionais e a pequenos produtores, onde 70% do ganho fica com a comunidade", diz Andrea Resende, gerente de investimentos do Impact Earth, organização à frente do Fundo de Biodiversidade da Amazônia, com carteira de R$ 250 milhões.
ENTENDA A SÉRIE
A série de reportagens Mercado de Carbono, publicada às vésperas da COP30 (conferência do clima das Nações Unidas, em Belém), retrata o funcionamento das compensações por emissões de gases de efeito estufa. O tema tem sido debatido entre países, empresas e organismos internacionais, em busca de regras em comum para os chamados mercados voluntário e regulado.
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