Sentado em uma mesa em forma de A, em um salão de eventos climatizado e bem iluminado, o presidente-executivo da Airbus, Guillaume Faury, diz estar confiante de que o compromisso assumido pela empresa de colocar no mercado aeronaves sem pegada de carbono até 2035 será cumprido.
Algumas horas depois, a chefe de tecnologia da gigante aeroespacial francesa, Sabine Klauke, apresentava os novos modelos de asas de altíssima performance em desenvolvimento pela Airbus, naquilo que a empresa chamou de uma demonstração de sua ambição pela descarbonização. A X-wing, como foi batizada, será compatível com propulsão e sua configuração permitirá a redução de CO2 na operação. Será revolucionária, disse a executiva.
Não foram os primeiros acenos, tampouco os únicos durante os dois dias de um encontro realizado pela empresa e que orbitou em torno de sustentabilidade e dos caminhos para que a aviação se torne carbono neutro.
Para Faury, a viabilidade dos planos da companhia depende também de o assunto ser tratado de maneira global, com outros agentes do mercado. “Não é somente sobre ter o avião certo, mas ter o combustível certo, ter hidrogênio no lugar e tempo certos, no continente e preço certos. E isso não é algo que a aviação consiga fazer sozinha”, disse.
E se 2035 parece muito distante, para o desenvolvimento de alta tecnologia, “para a escala da aviação, 2035 é amanhã”. No amanhã da aviação, três apostas do que poderá mover aviões nos ares estão sobre a mesa, todas com algum nível de avanço em pesquisas e testes: baterias elétricas, combustível de aviação sustentável (identificado pela sigla em inglês SAF) e hidrogênio. Todos têm, no entanto, algum tipo de dificuldade adicional —custo ou disponibilidade— e, sozinhos, ainda não dão conta da complexidade de tornar viável um voo que não jogue toneladas de dióxido de carbono na atmosfera.
O encontro de dois dias levou a Toulouse, onde a empresa tem sua sede, centro de treinamentos e pesquisas e uma linha de montagem, dezenas de jornalistas de todo o mundo, além de blogueiros e influencers que acompanham o mundo da aviação. Mais do que reunir repórteres e entusiastas de uma fascinante indústria, o encontro pretendia estimular apoio aos grandes planos da companhia em torno da descarbonização.
Chamados à colaboração foram repetidos exaustivamente pelos agentes da Airbus, mas apareceram também nas intervenções de executivos de empresas aéreas que ocuparam o centro do salão de eventos, de forma presencial ou virtual.
Mesmo a Boeing, uma das principais concorrentes da Airbus, ao lado da brasileira Embraer, foi lembrada durante o encontro. Questionado como a concorrente norte-americana poderia “embarcar” no compromisso de aumentar a oferta de SAF e na viabilidade do hidrogênio, Faury disse que considerar que há interesses convergentes entre as empresas. “Todos concordamos que o SAF é uma alternativa de curto prazo.”
No longo prazo, a aposta da companhia é o uso da propulsão com hidrogênio. Mesmo em 2035, quando a Airbus promete entregar a aeronave 100% carbono neutro, a operação deve ser iniciada por voos regionais e de distâncias menores.
Conseguir entregar aeronaves carbono neutro é uma ambição da fabricante, mas também um imperativo comercial em um mundo que cobra cada vez mais por posicionamentos que colaborem com a questão do clima. Se essa discussão ainda é incipiente para o Brasil —e aparece com mais frequência nas estratégias de ESG (sigla para meio-ambiente, social e governança) de empresas de capital aberto—, para os europeus é uma questão de relações públicas e que toma cada vez mais espaço na agenda política.
Em julho, a União Europeia lançou um plano para reduzir os gases de efeito estufa que prevê, entre outras medidas, o fim dos carros com motores de combustão até 2035. Para a aviação, o programa europeu fala em estimular a mistura de combustíveis sintéticos e em retirar subsídios para o uso daqueles de origem fóssil, tornando a operação mais cara.
Timur Gül, chefe da divisão de políticas para tecnologia em energia para a Agência Internacional de Energia, disse durante o encontro organizado pela Airbus que nenhum setor escapará da necessidade de reduzir as emissões de dióxido de carbono.
Há uma clara preocupação com o custo da transição para uma aviação de combustíveis limpos e o quando ela será viável economicamente.
Nessa tônica entram dois pontos bastante explorados no encontro —ainda que as cifras de investimento em pesquisa e tecnologia não estejam sobre a mesa— que foi a necessidade de os governos participarem dos projetos com investimentos e redução de impostos.
“O que nós realmente precisamos é uma solução global. Quando você desenha uma aeronave, quando voa, não voa por um país”, disse Julie Kitcher, vice-presidente de comunicações e assuntos corporativos da Airbus.
Para Johan Lundgren, presidente-executivo da easyJet, é necessário que os governos e agências reguladoras estejam envolvidas nas discussões e no desenvolvimento de alternativas para os combustíveis fósseis.
“Acho que essa é uma das questões centrais para assegurar que, ao fazer a transição para essas tecnologias, o trabalho seja apoiado pelos governos, que estão nos taxando pela operações que temos”, afirmou, “Espero que no período de transição, os governo também atuem com subsídios e financiem pesquisas.”
Barry Biffle, presidente da Frontier, companhia aérea americana de baixo custo, disse acreditar que a transição para combustíveis sustentáveis será uma aposta financeira, mas vê viabilidade em manter as tarifas acessíveis. “Se você gastar menos com combustível, você vai gastar menos para voar.”
Para a Airbus, é também relevante ter as companhias por perto e animadas com as promessas para o futuro, uma vez que elas serão as operadoras das inovações.
Os planos com maior viabilidade até agora são os que usam combustíveis sustentáveis, o SAF —e muitas companhias já usam percentuais desse composto em seus voos.
O problema é a disponibilidade —não há o suficiente para todo mundo. A própria Airbus tem hoje todas as aeronaves certificadas para voar com 50% de SAF (o restante é querosene de aviação). Em março, um voo teste usou 100% de combustível sustentável. O SAF reduz em 80% as emissões de CO2.
Há alguns dias, a gigante do petróleo Shell anunciou que para os próximos quatro anos aumentará em dez vezes o volume de produção de combustíveis menos poluentes.
John Holland-Kye, presidente-executivo do aeroporto Heathrow, de Londres, no Reino Unido, disse considerar que não há outra opção que não seja fazer a transição para uma aviação mais sustentável. “Esperamos que os governo paguem pela transição.”
Thomas Reynaert, diretor da Airline for Europe, uma organização setorial de lobby que representa AirFrance-KLM, easyJet, IAG, Lufthansa Group e Ryanair, afirmou que as experiências passadas indicam que os custos da transição menos poluente serão diluídos pela alta competitividade do setor. “Precisamos trabalhar com os reguladores para que aviação continue acessível”, disse. “Hoje, porém, a pandemia ainda está na frente.”
Para Amelia DeLuca, diretora de sustentabilidade da Delta, o custo de uma aviação limpa deverá ser repartida entre empresas, governos e passageiros. No início do ano passado, a Delta anunciou um compromisso de dez anos e investimentos da ordem de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,27 bilhões) para ser a primeira companhia aérea carbono neutro.
Em outra frente de investimentos da Airbus, há o uso de baterias elétricas, mas ela deve ter viabilidade limitada aos veículos aéreos urbanos, os eVTOL (sigla para veículos de pousos e decolagens verticais). Segundo Sabine Klauke, a Airbus está mais interessada em modelos híbridos, que combinem tecnologias.
No encontro de sustentabilidade em Toulouse, a empresa apresentou a nova geração do CityAirbus, seu eVTOL mais eficiente e silencioso, e que deve levar pelo menos dez anos para chegar ao mercado.
No início da semana, a brasileira Gol anunciou um acordo com a Avolon para a compra ou arrendamento de 250 eVTOL, as aeronaves elétricas de decolagem e pouso verticais. O investimento será feito pela holding Comporte, controladora da Gol. A expectativa da Avolon é conseguir a certificação das aeronaves VA-X4 eVTOL em 2024 e começar a operação em 2025.
Junto ao anúncio, a Gol também disse que substituirá 75% de suas aeronaves até 2030. A troca representará uma redução de 16% nas emissões de carbono. O compromisso da Gol com o carbono neutro vai até 2050.
Também nesta semana, a Eve, da brasileira Embraer, anunciou que passará a trabalhar com a francesa Helipass para acelerar a implantação de seu eVTOL na Europa. Em agosto, a Embraer anunciou ter feito o primeiro voo sustentado por baterias elétricas, por meio de uma adaptação do veterano Ipanema, usado para pulverizar lavouras.
Para a Embraer, a eletricidade será viável para aviões menores e carros voadores. Para aviões maiores, SAF e hidrogênio.
A Boeing, por sua vez, aposta mais nos SAF, categoria que inclui biocombustíveis como o etanol e o biodiesel, mas também carburantes tirados da compostagem de lixo e biomassa como bagaço de cana.
A repórter viajou a convite da Airbus.
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